A recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros — especialmente aço e alumínio — reacendeu tensões nas relações bilaterais entre Brasil e EUA. A medida, publicamente justificada como reação à suposta “perseguição judicial” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado, vai muito além de disputas comerciais ou preocupações jurídicas. Trata-se de um gesto com implicações geopolíticas profundas, que visa conter o fortalecimento do BRICS, a reorganização da ordem mundial e a ameaça concreta de um sistema multipolar em que os Estados Unidos deixariam de ocupar o papel de hegemonia incontestada.
O que está em jogo não é apenas a balança comercial ou a afinidade ideológica com um ex-mandatário latino-americano de extrema direita. O que de fato incomoda Trump — e setores ultraconservadores dos EUA — é o crescente protagonismo do Brasil como ator geopolítico autônomo, especialmente no contexto da presidência brasileira do BRICS, que tem sido marcada por avanços significativos em direção à desdolarização e à construção de uma nova arquitetura internacional. A retaliação econômica contra setores estratégicos da economia brasileira, travestida de medida corretiva, revela-se uma tentativa de coerção política disfarçada de defesa da “justiça global”.
A alegação de Trump de que as novas tarifas visam proteger a indústria norte-americana frente a um suposto “déficit comercial insustentável” causado pelo Brasil colide frontalmente com os dados oficiais. Há dezesseis anos consecutivos, os Estados Unidos mantêm superávit na balança comercial com o Brasil, acumulando desde 2009 um saldo superior a US$ 90 bilhões favorável aos norte-americanos. Em 2024, por exemplo, o Brasil exportou US$ 2,3 bilhões em aço aos EUA, enquanto importou US$ 1,4 bilhão em carvão e US$ 3,9 bilhões em maquinário e bens industriais norte-americanos. Ou seja, longe de causar prejuízo, o Brasil tem contribuído para a vitalidade da economia dos Estados Unidos. Importante destacar que o setor siderúrgico brasileiro já estava submetido a tarifas de até 50%. Com as novas imposições, os encargos se tornam praticamente proibitivos, podendo alcançar até 100%, com estimativa de queda imediata de até 40% nas exportações de aço e alumínio. Tal medida, além de danosa à indústria nacional, favorece concorrentes como a China, cuja produção é fortemente subsidiada.
A suposta preocupação de Trump com a “segurança econômica” revela-se infundada sob escrutínio técnico. Trata-se, portanto, de uma ação desprovida de fundamento comercial concreto, mas de clara motivação política — e, sobretudo, geopolítica.
A justificativa mais alarmante para as tarifas foi a alegada “perseguição judicial” ao mandatário anterior ao presidente Lula, atualmente réu perante o Supremo Tribunal Federal por tentativa de subversão das instituições democráticas brasileiras. As denúncias contam com provas robustas, incluindo imagens, áudios e documentos obtidos pelo Ministério Público Federal.
Trump, por conveniência, tem qualificado esse processo como uma “vergonha internacional”, um “julgamento político” e parte de uma suposta “caça às bruxas”. Tal narrativa se insere na lógica discursiva da extrema direita global e ecoa manifestações de outras figuras influentes, como Elon Musk, que chegaram a desacatar decisões judiciais brasileiras sob a justificativa de censura.
O objetivo, aqui, é deslegitimar a atuação soberana do Judiciário brasileiro e transformá-la em peça de um enredo conspiratório global. A retórica de Trump representa uma grave violação aos princípios da autodeterminação dos povos e do respeito às instituições democráticas. Atualiza, com nova linguagem, uma antiga prática: a doutrina da intervenção norte-americana nos assuntos internos da América Latina.
A história regional é marcada por episódios dessa natureza: da derrubada de Salvador Allende no Chile (1973) ao golpe civil-militar de 1964 no Brasil; do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 à prisão de Lula em 2018 — ambos processos amplamente questionados por juristas e organismos internacionais — a ingerência norte-americana sempre se disfarçou de “preocupações democráticas”. Hoje, assume a forma da “justiça comercial”.
Por trás das tarifas e da retórica judicial, o que realmente incomoda Washington é o avanço do BRICS. Sob a presidência brasileira em 2025, o bloco deu um salto estratégico e ampliou sua composição. Com a entrada de Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, o BRICS passa a contar com 10 membros, representando mais de 40% da população mundial e cerca de 37% do PIB global (em paridade de poder de compra).
O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), atualmente presidido por Dilma Rousseff, lidera esforços para transações em moedas locais entre os países do bloco, reduzindo gradualmente a dependência do dólar. Essa agenda de desdolarização tem gerado profunda inquietação nos círculos estratégicos norte-americanos. Analistas geopolíticos indicam que Trump estaria “furioso” com os avanços do BRICS, com receios, nos círculos estratégicos norte-americanos, de que a perda da hegemonia do dólar represente uma ameaça equivalente a uma derrota em guerra.
A retaliação ao Brasil, nesse contexto, atua como um alerta. Trump chegou a ameaçar estender tarifas de 10% a todos os países do BRICS, sob o pretexto de “atividades antiamericanas”. A linguagem adotada revela que, para os EUA, o BRICS deixou de ser um agrupamento econômico emergente e passou a ser tratado como um inimigo estratégico da ordem unipolar vigente desde a Segunda Guerra Mundial.
A resposta brasileira à escalada tarifária precisa combinar firmeza diplomática, articulação internacional e visão estratégica. O Itamaraty já anunciou a intenção de acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), com base na Lei da Reciprocidade Econômica, autorizando contramedidas proporcionais a práticas comerciais unilaterais e arbitrárias.
Na Cúpula do BRICS realizada no Rio de Janeiro, o grupo reafirmou o compromisso com práticas comerciais justas e condenou o uso de tarifas como instrumento de coerção política. Paralelamente, o governo brasileiro tem acelerado a diversificação de mercados, com foco na Ásia, na África e nos próprios países do bloco. Parcerias tecnológicas com a China, em áreas como inteligência artificial e energias renováveis, já estão em curso, sinalizando uma reorientação estrutural do comércio exterior.
A diplomacia brasileira tem conseguido equilibrar pragmatismo e autonomia. O governo não rompeu relações com os Estados Unidos, mas deixou claro que a soberania institucional do país — sobretudo a independência do Poder Judiciário — é inegociável. A atuação do Brasil no BRICS, longe de configurar provocação, expressa uma aposta em uma ordem mundial mais plural e menos submissa a interesses hegemônicos.
As tarifas impostas por Trump representam mais do que um entrave econômico: configuram uma tentativa de humilhação política e um atentado à soberania brasileira. A medida unilateral e punitiva confirma um padrão histórico de subordinação imposta e revela, de forma explícita, o desprezo por mecanismos multilaterais de regulação e pela autodeterminação dos povos. Ao transformar o julgamento do presidente anterior em pretexto para retaliação econômica, Trump inverte os princípios da legalidade: criminaliza a justiça e exalta o réu.
O Brasil se depara, neste momento, com um dilema decisivo. Ceder à chantagem significaria aceitar que decisões internas sejam pautadas por pressões externas. Reagir implica assumir custos no curto prazo, mas também afirma a dignidade institucional do país e fortalece sua posição no cenário internacional.
A declaração do presidente Lula — “O mundo mudou. Não queremos um imperador” — não é apenas uma resposta política. É uma reafirmação da soberania nacional, da legitimidade democrática e do desejo de construir um futuro em que o Brasil fale por si. O incômodo de Washington não reside no julgamento de um ex-presidente com intenções golpistas, mas no futuro de um Brasil que decidiu caminhar com ideias próprias e aliado a outros parceiros potentes.
Texto: Marcelo M. Nogueira
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